Publicada mensalmente desde 1902 pelos jesuítas portugueses, a revista Brotéria é uma publicação cultural de inspiração cristã.

 

Há 120 anos, três professores de um colégio na Beira Baixa fundaram a Brotéria: Revista de Sciencias Naturaes. Na altura publicavam-se artigos de botânica, zoologia e genética, em muitos dos quais foram classificadas novas espécies de animais e plantas. Pouco tempo depois, passaram também a surgir artigos sobre química, física, medicina, biologia e agricultura. Em 1955, nasceu mais um ramo da Brotéria, que continuou a crescer até hoje — a revista de Cristianismo e Cultura.

120 anos depois, a Brotéria já não é só uma revista. Hoje faz parte do projeto multidisciplinar do centro cultural no Bairro Alto e de uma forma redonda de ver aquilo que nos rodeia: oferecendo uma reflexão escrita serena e rigorosa sobre o mundo e contribuindo para a discussão dos principais temas de hoje na literatura, política, arte, história, filosofia, religião e bioética.


Volume 200 — 5/6, Maio-Junho 2025


José Frazão Correia SJ

Em 325, entre maio e junho, realizava-se em Niceia, cidade da atual Turquia, o primeiro Concílio da história do cristianismo.
Aí se estabeleceu a primeira versão do credo cristão. Celebramos o seu 1700º aniversário. Parecerão “bizantinices” as disputas teológicas em causa sobre o sentido preciso de palavras como “gerar”, “criar”, “substância” ou “natureza” para pensar a identidade divina de Jesus sem pôr em causa a unidade divina. Mas não são. Ao declarar a igualdade e a reciprocidade eterna entre o Pai e o Filho, afirma-se que a “substância” de Deus não é simplesmente “ser”, mas “fazer-ser” por amor. Ser autossuficiente não é o vértice da perfeição, nem divina, nem humana. Num tempo que cultiva a idolatria da autorrealização e que tende a afirmar a liberdade como faculdade de poder anular qualquer vínculo, colocar a “geração” e o “vínculo de afeto” na identidade divina desarma a versão de Deus como Monarca Absoluto ou Grande Narciso, um e outro com tanta capacidade de despertar em nós desejos de imitação.

Quando nos preparávamos para enviar este número para a gráfica, recebemos a notícia da morte do Papa Francisco. É muito grande a nossa gratidão pela sua vida e pelo seu serviço.


João José Fernandes

Em maio de 2015, o Papa Francisco publicou a encíclica Laudato Si’, um apelo à humanidade para o cuidado da nossa casa
comum. Uma década volvida, é oportuno examinar criticamente como o mundo respondeu. Teremos abraçado a visão da encíclica de uma ecologia integral que liga o cuidado do planeta à justiça para com as pessoas? Ou permanecemos num caminho perigoso, apostando em receitas técnicas fragmentadas? Este artigo analisa os principais desenvolvimentos ambientais de 2015 a 2025 – dos avanços na diplomacia climática às avaliações científicas, passando pela emergência de movimentos de base – de modo a avaliar o nosso progresso. Pretende-se traçar um quadro do estado global da gestão ambiental, ponderando tanto os avanços esperançosos como os falhanços preocupantes. Ao fazê-lo, reflete-se acerca do modo como os temas da Laudato Si’ – respeito pela natureza, justiça intergeracional e crítica de uma mentalidade tecnocrática – têm ressoado, ou não, no mundo real da política e da ação.


Sónia da Silva Monteiro

In memoriam de Gustavo Gutiérrez, teólogo peruano, falecido em outubro de 2024, revisita-se a teologia da libertação, analisando os seus princípios fundamentais e a sua relevância na complexidade do mundo atual. Conhecido como o “pai” da teologia da libertação, Gutiérrez propõe uma teologia enraizada na realidade histórica, centrada na opção preferencial pelos pobres e consciente da inseparabilidade entre fé e justiça no processo de libertação cristã. O artigo procura ainda clarificar visões reducionistas que falam de uma suposta filiação marxista do movimento e evidencia como esta via teológica, longe
de estar ultrapassada, continua a ser relevante em múltiplos contextos e a servir de inspiração a outros movimentos teológicos contemporâneos, como as teologias feministas, negras ou ecológicas. Através de uma análise teológica e pastoral, argumenta- se que a teologia da libertação oferece uma chave de leitura profética e evangélica, desafiando a Igreja a um compromisso mais concreto e efetivo com os marginalizados.


Rafael Àngel García-Lozano

Cumprem-se, em 2025, trinta anos da morte de Miguel Torga. A ocasião é propícia para revisitar e repensar algumas das características do escritor transmontano. Analisando Bichos, um dos livros de contos mais originais da literatura portuguesa, o artigo centra-se na sua consideração larga de Deus, desde a divindade telúrica concebida em abstrato até à figura de Jesus Cristo. Torga move-se numa particular heterodoxia religiosa que adota certos elementos do cristianismo, negando-os, umas vezes, questionando-os, outras, e, outras ainda, reformulando-os.


Madalena Meneses

«Intervenções no arvoredo. Por motivo de urbanização, e por não ter viabilidade para transplante, esta árvore será abatida. / No âmbito da obra será substituída por novos exemplares de outra espécie. / Obrigado pela sua compreensão.» O anúncio da CML, afixado nas árvores da Avenida 5 de Outubro, em Lisboa, motivou a congregação de um grupo de amigos e moradores para escreverem uma carta aberta com um pedido de esclarecimentos e um apelo a que a comunidade local fosse envolvida nesta decisão. A carta transformou- se na petição pública “Não ao abate dos jacarandás da Avenida 5 de Outubro”, lançada no dia 21 de março, Dia da Árvore. A fita do tempo que se se segue é apresentada como exercício de cidadania ativa em prol dos bens e do bem da cidade.


Ângela Lacerda-Nobre, Amandine Gameiro, Rogério Silveira, Miguel Cunha-Lima

A teoria do decrescimento económico surge por antagonismo à teoria do crescimento, argumentando que esta última tem mantido uma posição hegemónica e dominante nos últimos três séculos, desde o surgimento da ciência moderna e da revolução industrial. A perspetiva do decrescimento alega que esta situação é semelhante a um fenómeno coletivo de adição e de alucinação autoinduzida. O crescimento exponencial e a aceleração são transformados em coreografia hiperbólica da sociedade programada. Vale a pena considerar o cisma crescimento-decrescimento, não devendo ser um tabu ou uma forma de sacrilégio pôr em causa a teoria do crescimento. A capacidade de manter espaços propícios ao debate é mais importante hoje do que nunca. As respostas já estão disponíveis e, no entanto, são necessárias novas perguntas para abrir novas possibilidades para o pensamento e para emergirem novas ações coletivas.


Giuseppe Guglielmi

Jesuíta francês, Michel de Certeau nasceu há cem anos, a 17 de maio de 1925, em Chambery. Morreria em Paris, a 9 de janeiro de 1986. No funeral, Édith Piaf cantou “Non, je ne regrette rien”. Quando lhe perguntavam quem era, respondia simplesmente que era um historiador da espiritualidade moderna. Na realidade, foi um intelectual multifacetado, na medida em que atravessou os mais diversos campos disciplinares e institucionais: foi estudioso da mística, sociólogo do quotidiano, antropólogo, semiólogo, cofundador da escola lacaniana. Não é possível, por isso, entrar no seu pensamento com a intenção de encontrar uma perspetiva unitária. A sua escrita é mais do género de oferecer «estradas àqueles que “pedem uma direção para se perderem”». O caminho mais adequado será o de percorrer o arquipélago das suas obras, mantendo um diálogo permanente que, longe de conduzir a metas seguras, permitirá breves e revigorantes pausas no caminho da existência.


Rita Jerónimo

Lançado em 2022 pelo Ministério da Cul tura e implementado pela Direção Geral das Artes, o Programa Saber Fazer visa destacar a importância dos saberes-fazer ancestrais e a sua relevância no mundo contemporâneo. Um novo entendimento compreende as artes e os ofícios tradicionais como património cultural, arte e criação, e valoriza a sua função social,
viabilidade económica e sustentabilidade. O desafio passa por promover a reconciliação entre o ser humano e o mundo natural, o reforço da diversidade cultural num mundo cada vez mais uniformizado, procurando preservar e contribuir para a manutenção das práticas artesanais e garantindo a sua continuidade e adaptação a novos contextos. Neste artigo, procura-se dar nota da visão que tem prevalecido no entendimento deste setor e destacar a necessidade de um novo olhar sobre as artes tradicionais enquanto património

Broteria-07

 

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