Publicada mensalmente desde 1902 pelos jesuítas portugueses, a revista Brotéria é uma publicação cultural de inspiração cristã.
Há 120 anos, três professores de um colégio na Beira Baixa fundaram a Brotéria: Revista de Sciencias Naturaes. Na altura publicavam-se artigos de botânica, zoologia e genética, em muitos dos quais foram classificadas novas espécies de animais e plantas. Pouco tempo depois, passaram também a surgir artigos sobre química, física, medicina, biologia e agricultura. Em 1955, nasceu mais um ramo da Brotéria, que continuou a crescer até hoje — a revista de Cristianismo e Cultura.
120 anos depois, a Brotéria já não é só uma revista. Hoje faz parte do projeto multidisciplinar do centro cultural no Bairro Alto e de uma forma redonda de ver aquilo que nos rodeia: oferecendo uma reflexão escrita serena e rigorosa sobre o mundo e contribuindo para a discussão dos principais temas de hoje na literatura, política, arte, história, filosofia, religião e bioética.
POR UMA LEITURA CRÍTICA E APAIXONADA DOS DESAFIOS DO PRESENTE. 70º ANIVERSÁRIO DA MORTE DE TEILHARD DE CHARDIN
Vasco Pinto de Magalhães SJ
Passaram 70 anos da morte do padre Teillard de Chardin (1 de maio de 1881 – 10 de abril de 1955), jesuíta francês e paleontólogo, pensador original do século XX, que, no cruzamento da ciência, filosofia e teologia, procurou integrar a evolução cósmica com uma visão espiritual do universo. Por ter escrito sobre a doutrina cristã do “pecado original”, procurando acolher os avanços científicos da época, acabaria por ser impedido de ensinar e de escrever. Acabou “desterrado” nos EUA, onde morreu num dia da Páscoa. A percurso de vida e o seu pensamento não perderam atualidade quando continua a ser necessário discernir desafios e possibilidades do tempo presente, sem euforias de fugas para a frente e sem conservadorismos de estabilidade doentia. Merece especial atenção a nova biografia (2023) Pierre Teilhard De Chardin: Biographie, de Mercè Prats.
Nos dias agitados e incertos que vivemos, num mundo e numa América em ebulição, entrámos em contagem decrescente para os festejos do dia 4 de julho de 2026, data em que os EUA celebrarão o seu quarto de milénio. No quadro da celebração, oferece-se um olhar jurídico-político sobre o estado dos Estados Unidos da América, revendo a forma como o jogo de poderes tem evoluído, principalmente o executivo e o judicial. O foco é posto em algumas das decisões mais recentes do Supreme Court, nos casos em que os poderes presidenciais estão ou não em causa. Ainda que a balança e a espada da Justiça possa enferrujar, elas funcionam. Em tempos de crise e de polarização, há que cultivar a esperança de que as futuras batalhas e processos neste campo conduzirão a um mundo mais justo e melhor.
LEÃO XIV: AS TAREFAS DO NOVO PONTIFICADO
Guilherme d'Oliveira Martins
A eleição do Papa Leão XIV constitui um motivo de esperança para o mundo contemporâneo, na sequência da orientação marcante do Papa Francisco. Personalidade diferente da do papa argentino, Leão XIV apresenta um programa de continuidade e de reforma no sentido do combate pela justiça e pela paz. Desde os primeiros momentos, têm sido dados sinais claros e inequívocos sobre as orientações necessárias do novo pontificado: gestos concretos no sentido da construção da paz, da mobilização da sociedade com tal objetivo, do respeito inteiro pelo bem comum, da participação de todos, com um papel acrescido da mulher, do espírito de serviço, do cuidado e da atenção ao próximo, da colegialidade e da corresponsabilidade no aprofundamento do método sinodal. Será um caminho difícil que exigirá o despertar das consciências para a ponderação de fatores contraditórios numa sociedade receosa e dividida entre a indiferença e a ilusão.
UM CERTO NEXO COMUM:
HUMANIDADES COMO EXIGÊNCIA, CUIDADO E REFRIGÉRIO
Artur Morão
Aborda-se a crise das Humanidades e o seu lugar incerto no atual sistema tecnológico e económico. Tal crise não lhes advém da sua atividade ou produção, mas das preferências e decisões predominantes no atual sistema educativo, de cunho utilitarista. Aduzem-se as razões mais comuns para a sua justificação e presença na Academia. Examinam-se os pressupostos filosóficos e culturais que, de certo modo, apoiam o sistema de relevância económica e tecnológica. Por fim, reflete-se sobre as Humanidades enquanto exigência para a elucidação da experiência humana integral, avalia-se o seu contributo indispensável para o conhecimento de nós próprios, alude-se ao seu cultivo autotélico, ao seu exercício de contemplação possível e também ao seu papel de consolação e refrigério, segundo a sugestão de Cícero no seu Pro Archia.
POR UM MINISTÉRIO DOS ALUNOS
Rodrigo Queiroz e Melo
Para reinício de ano escolar, um desafio-provocação: a criação de um Ministério dos Alunos, centrado no acesso de cada aluno a educação de qualidade, independentemente dos interesses dos agentes educativos. Já caíram Ministros e já se retraíram Governos por causa das reivindicações profissionais dos professores mas nunca caiu um Ministro nem algum Governo foi “chamado à pedra” por causa de fracas aprendizagens dos alunos. Uma política educativa centrada no aluno é aquela que reconhece a diversidade como riqueza, que apoia quem precisa, que exige de todos, mas oferecendo condições reais para que todos possam crescer. Importa, porém, ter consciência de que a ausência de mecanismos de apoio público a famílias de menores recursos que queiram optar por um estabelecimento de ensino particular e cooperativo para educação dos seus filhos está a fazer crescer uma bolha social indesejada que poderá contribuir fortemente para um movo PREC – Processo de Elitização em Curso.
A EROSÃO DA SOLIDARIEDADE E O ALTRUÍSMO EFICAZ
Pedro Franco
O encerramento da USAID, a agência norte-americana da cooperação internacional, está a ser uma das políticas mais danosas da segunda Adminstração Trump, não suficientemente comentada – remetemos para o artigo de Julieta Nim “A nova crise do desenvolvimento sustentável”, pulicado na Brotéria de julho passado. Os custos humanos desta decisão são brutais: entre eles, aproximadamente, a perda de catorze milhões de vidas até 2030. Ao mesmo tempo, com a intenção de pôr cobro à miséria humana a nível global, volta a ganhar popularidade um movimento social inspirado na filosofia utilitarista: o Altruísmo Eficaz (EA). O EA, nos seus fundamentos filosóficos e pertinência política, não está isento de problemas. Neste artigo, explica-se o que é o EA, examinam-se questões problemáticas e apresenta-se uma alternativa que se cose com as linhas da “ambição moral” de promover o bem-estar geral de maneira mais eficaz mas também mais justa e humana.
A PROPÓSITO DA PRESCRIÇÃO PENAL NA IGREJA
Mário Rui Oliveira
A dor, o tempo, o esquecimento e o direito são as coordenadas de um itinerário que procura reenquadrar o lugar da prescrição, não como escapatória à justiça, mas como salvaguarda da própria racionalidade do direito penal, canónico ou civil. No quadro particular de abusos de natureza sexual, quando o clamor das vítimas se ergue com justeza, coloca-se a questão se será possível fazer justiça sem sacrificar o justo e, sobretudo, se a pedagogia silenciosa do tempo poderá ser também um instrumento de misericórdia e de verdade para quem cometeu um delito. A partir da provocação nietzschiana de que «só aquilo que não deixa de causar dor permanece na memória, [que] só aquilo que permanece na memória continua a causar dor», pretende-se contribuir para uma reflexão canónica mais ampla sobre a prescrição penal na Igreja.
A CULTURA COMO REFÚGIO: SALVAGUARDAR O IMATERIAL EM TEMPOS DE CONFLITO
Filipa Iglesias
A Convenção da UNESCO de 2003 reconheceu formalmente a dimensão intangível do património cultural. Salvaguardar a cultura que vive e se transforma implica garantir a viabilidade do património cultural imaterial, assegurando as condições para a sua continuidade prática, transmissão intergeracional e reprodução social. Por ser mais exigente e complexa em contextos de crise, a salvaguarda deve ser parte integrante das respostas humanitárias e dos programas de acolhimento, não como complemento, mas como fator de recuperação e de coesão social. Dão-se vários exemplos demonstrativos de que as práticas culturais — musicais, artesanais, académicas ou simbólicas — desempenham um papel central na afirmação identitária de pessoas e de comunidades em contexto de deslocação, conflito ou reconstrução. Através de projetos locais e nacionais, Portugal tem mostrado que é possível acolher com dignidade, respeitando a diversidade cultural e criando condições para a sua expressão.
Há muitas alturas para
oferecer a Brotéria.