Volume 201 — 4, Outubro 2025

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José Frazão Correia SJ

Conflitos teóricos, lutas políticas, debates atuais sobre fenómenos e movimentos de reivindicação racial, feminista, sexual, entre outros, ganhariam em sentido crítico e responsabilidade histórica se considerassem as dinâmicas identitárias em que a afirmação de si se faz à custa da eliminação do outro/do diferente. Vale também para debates políticos e sociais sobre integração de imigrantes e sistemas de acolhimento de estrangeiros. Vale ainda para aqueles internos à Igreja sobre identidade cristã e relações a estabelecer com as culturas contemporâneas. Precisamos de cultivar a identidade de um “nós” que não se determine pela exclusão de quem não é dos nossos, mas pela sua inclusão, tendo presente que é preciso mais coragem para acolher do que para excluir. Exemplos de proximidade humana na tragédia de 3 de setembro da Calçada da Glória, em Lisboa, insistem em testemunhar que o que nos acomuna é mais elementar do que os traços que nos distinguem. Nesta reflexão, ainda ecoa a investigação feita para o ciclo de conferências “Territórios (d)e Fronteira” que aconteceu em Évora, entre maio e julho passados, uma parceria da Brotéria com o Centro de Arte e Cultura da Fundação Eugénio de Almeida. 


Fernando Bessa Ribeiro

Com o programa ReArm e a alocação de 5% à parcela da defesa nos orçamentos anuais dos Estados da UE, a afetação de parte significativa dos recursos dos fundos existentes, como os que estão relacionados com a coesão e com a luta contra as alterações climáticas, irá para o financiamento de despesas militares. Do ponto de vista económico, mobilizam-se recursos públicos para a organização de uma economia de guerra, o que será feito necessariamente à custa das políticas sociais que concretizam os princípios do Estado de bem-estar social, opção incompatível com a existência de um Estado social robusto. Sendo, esta, uma escolha e uma decisão políticas, defende-se que tal opção é socialmente regressiva e intolerável do ponto de vista moral e que irá contribuir para corroer a democracia e multiplicar o descontentamento social.  


Mateus Correia de Carvalho

“A IA traz-nos muitos benefícios, mas também pode gerar riscos”: repetida em textos regulatórios, comerciais ou de opinião, a “fórmula” espelha o modo predominante de pensar a Inteligência Artificial (IA). Porém, tem três limitações principais: especula sobre os problemas futuros da IA em vez de se focar nos danos presentes e já tangíveis; coloca uma ênfase excessiva na ideia de que a solução para os efeitos negativos passa pelo seu aperfeiçoamento técnico, ignorando a reflexão de base sobre como estas tecnologias estão a mudar as nossas instituições e relações humanas; promove a autorregulação por parte das empresas e instituições que desenvolvem e usam IA – são, portanto, parte interessada – medindo o seu impacto e decidindo que precauções tomar. Estas limitações impedem a democratização do debate público sobre como, para quê e até que ponto queremos introduzir a IA nas nossas vidas. Por isso, é urgente parar para pensar, para perceber como a IA nos está a mudar e para decidir seletivamente que tipo de IA queremos ter e para quê.  

 


Hugo Cruz

As democracias atuais vivem mergulhadas num estado de confusão e de medo, para o qual contribui informação pouco clarificadora, narrativas públicas que aprofundam as desigualdades e a perceção de ineficácia da participação dos cidadãos.  O desejo generalizado de transformação dos modos de ser, de estar e de fazer individual e coletivo exigem confronto e discordância construtiva e, em simultâneo, foco, diálogo e abertura à infinita diversidade de pessoas e de grupos. A participação cívica e política, cultural e artística é identificada como direito fundamental que concretiza a cidadania, que assenta no envolvimento de todas as pessoas na vida cultural das comunidades. A cultura, além de ser um campo de experimentação cultural e artística, é também um campo de experimentação política. Para que tal contributo se concretize, é necessário aprofundar os princípios democráticos na cultura. 


José Eduardo Franco

O Padre Manuel Antunes SJ, que foi professor de História e Cultura Clássica na Faculdade de Letras da UL e, por dois períodos, diretor da Brotéria, entre as décadas de 60 e 80 do século passado, conciliou autores clássicos e modernos para compreender e dar a compreender as grandes derivas civilizacionais do seu tempo. Legou-nos um pensamento prospetivo ainda hoje relevante para observarmos e entendermos o nosso mundo. A reavaliação da situação internacional de então leva-o a propor uma transformação de base da ordem internacional: a ideia de Estado como meio e não como fim, em alternativa aos nacionalismos que fazem perdurar a guerra, ainda que de forma mais ou menos latente. No que diz respeito à Europa, expõe um projeto de unidade europeia que não fosse só um mero concerto político entre nações, mas que fosse mais longe, apontando como meta a edificação de uma nação europeia. 


Luciano Manicardi

A partir da pergunta o que é a espiritualidade?, traça-se a evolução histórica da palavra “espiritualidade” e os significados que adquiriu ao longo do tempo. Aponta-se que, hoje, se tornou numa espécie de palavra-caixa na qual se pode pôr tudo e mais alguma coisa, sendo um mercado rentável, com uma vastíssima gama de ofertas. Entrando na especificidade do âmbito cristão, evita-se o uso o termo “espiritualidade” e opta-se por falar de vida segundo o Espírito ou de vida no Espírito. Argumenta-se que a vida espiritual diz respeito ao ser humano na sua totalidade, também ao corpo e aos sentidos, quando entra em sinergia com o Espírito de Deus. O autor viveu um tempo sabático na Brotéria, entre maio e junho de 2025 


Rui Vasconcelos

Propõe-se uma leitura do corpus homilético de José Augusto Mourão, frade dominicano (19472011), procurando realçar a sua singularidade no contexto eclesial e teológico português. Mais do que sobre a prática da homilia enquanto ato litúrgico, marcada pela oralidade, o estudo é orientado pela leitura literária e textual deste corpus Dada a sua natureza intrinsecamente plural, também não se procura estabelecer uma síntese teológica, temática ou categorial. Procura-se, antes, proporcionar ao leitor um conjunto de chaves e ferramentas a partir do património ensaístico de Mourão que constituam um auxílio e um convite à sua leitura.  


Simão Lucas Pires

Flannery O’Connor faria em 2025 cem anos uma boa desculpa para voltarmos a olhar para a sua curta mas poderosa obra. Se a ficção da escritora norte-americana é já conhecida do público português, graças às traduções dos seus contos e romances, o mesmo não se poderá dizer dos ensaios reunidos em Mystery & Manners. Neste artigo, a partir do ensaio “The Teaching of Literature”, procura-se chamar a atenção para alguns aspectos da maneira como Flannery O’Connor compreendia a natureza da ficção; e procura-se, mais especificamente, entender as suas teses sobre o que é e o que devia ser o ensino da literatura nas escolas. 


Dimensões
15 x 23,4

Nr de páginas
96

ISSN
0870–7618