Volume 201 — 1, Julho 2025

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José Frazão Correia SJ

Do Papa Francisco, ficou-nos em herança um elenco generoso de expressões marcantes e de ações significativas. Neutralizaríamos, porém, a sua força se cristalizássemos as palavras em slogans sonantes fáceis de aprender ou se reduzíssemos os gestos a idiossincrasias pessoais não repetíveis. Em sentido contrário, importa colher sobretudo a performatividade do seu estilo – na verdade, aquele que o Papa Francisco realizou como estilo do seu pontificado é essencialmente o estilo inaugurado pelo Vaticano II retomado com convicção e audácia. A partir da distinção do filósofo social Vicenzo Rosito entre palavras de ordem e palavras de uso, assinalam-se o discernimento, o processo e o contexto como palavras-práticas de uso comum que Francisco deixou já a agir na Igreja e que poderão chegar a dar forma à instituição. A superação do desfasamento problemático entre léxico e norma, intenções e práticas, que continua a afetar campos significativos da vida eclesial, poderá passar por elas.


Julieta Nim

O desenvolvimento sustentável é uma abordagem de longo prazo ao progresso humano e económico que conjuga inclusão social, proteção ambiental e crescimento económico. Só nas últimas décadas, particularmente desde o início do século XXI, passou a desempenhar um papel de destaque na geopolítica mundial, o que representa uma enorme diferença em relação ao tipo de transações que prevaleceu ao longo da história. Em sentido contrário, o regresso da Administração Trump trouxe consigo o afastamento das estratégias multilaterais e socialmente inclusivas, optando por uma agenda mais unilateral, centrada na segurança e orientada ideologicamente. Não veio alterar apenas a política de desenvolvimento global dos EUA, veio provocar também um efeito dominó humanitário, pressionando severamente a capacidade dos sistemas multilaterais e das ONGs. Neste novo cenário, a China, sempre pragmática, é a principal ganhadora. O processo de degradação continuará, a menos que surjam novos defensores dispostos a lutar pelos valores do desenvolvimento sustentável.


Manuel Poêjo Torres

Fruto de escolhas humanas, nem todos os conflitos chegam aos ecrãs ou às rotativas. Nem toda a vida nem toda a morte chegam a ser notícia ou alvo de análises adequadas. Num mundo onde a humanidade parece estar a consumir-se lentamente em múltiplos conflitos, é necessário focar a atenção no palco das guerras perpétuas, para exaltar o valor da vida humana e sublinhar que a paz não resulta de decretos, mas de processos de construção humana, sempre com falhas e imperfeições. Aqui, a atenção concentra-se no Sudão, para apresentar as raízes históricas de um dos conflitos mais sombrios da humanidade, quer em extensão geográfica, quer em duração. Lembra-se que o contínuo desrespeito pelo direito internacional é um sinal preocupante de reconstrução do sistema de poderes no mundo e de grandes transformações geopolíticas em curso.


Pedro Góis

Analisa-se a evolução das utopias sociais do século XIX face aos desafios contemporâneos da imigração e da comunicação
digital. Partindo de autores como Thomas More, Fourier, Owen, Arendt ou Bauman, discute-se como os ideais de cidadania inclusiva foram progressivamente substituídos por narrativas distópicas de exclusão e securitização. Examina-se o impacto das redes sociais na construção de perceções públicas sobre a imigração, sublinhando o papel dos algoritmos na amplificação de discursos de medo e polarização. A imigração é abordada como terreno simbólico onde se confrontam projetos de renovação social e estratégias de fechamento identitário. Defende-se a recuperação da hospitalidade como princípio político e a utopia como prática crítica e orientadora para a reinvenção democrática num contexto global marcado pela crise das instituições e pela fragmentação social.


Francisco Ferreira

1992 e 2015 sobressaem como anos significativos no que respeita a anúncios e decisões na área do ambiente e da sustentabilidade com impacto à escala global. No mês de junho de 1992, teve lugar a Conferência do Rio, constituindo um ponto de viragem na abordagem internacional à sustentabilidade: influenciou fortemente políticas ambientais e promoveu o diálogo entre ambiente e desenvolvimento económico. Em maio de 2015, o Papa Francisco publicou a encíclica Laudato Si’, sobre o cuidado da casa comum. Destacando de forma crítica temas de agenda e fóruns que marcaram a última década, conclui-se que, perante os múltiplos alertas científicos, os compromissos internacionais são ainda insuficientes. Perante a crescente sobrecarga ecológica do planeta, torna-se inadiável a adoção de uma nova visão de progresso que rompa com padrões de produção e de consumo. Impõe-se o desafio duplo de recuperar a confiança entre gerações e de devolver ao planeta a capacidade de regeneração.


Austen Ivereigh

O carácter, as escolhas e as reformas dos doze anos de pontificado do Papa Francisco podem ser entendidos como um significativo convite à mudança na Igreja, mudança necessária e possível num tempo de “mudança de época”. Se João Paulo II e Bento XVI encerraram o longo diálogo da Igreja com a modernidade, Francisco foi o primeiro papa desta nova era pós-moderna, pós-secular, plural e global. Tendo este quadro como pano de fundo, aborda-se, em primeiro lugar, o discernimento da mudança de época que esteve na base do pontificado de Francisco. Mostra-se, depois, como procurou encarnar e conduzir essa conversão num horizonte temporal largo. Por último, identifica-se a sinodalidade como caminho promissor para lá chegar.


Sónia da Silva Monteiro, João Manuel Silva SJ

O momento de transição entre pontificados que a Igreja católica vive atualmente é observado com a grelha do antigo princípio Ecclesia semper reformanda: a Igreja deve renovar-se continuamente, voltando à Sagrada Escritura como sua fonte primeira e mantendo o contacto vivo com a 5 experiência humana. Tal reforma permanente não é, porém, um fim em si mesmo. Reconhecendo o carácter de imperfeição e incompletude da Igreja e o dinamismo constitutivo da compreensão da Verdade que é Cristo, ela brota de um processo de conversão contínuo, tanto dos indivíduos como do corpo eclesial enquanto comunidade e instituição. Explorando a tensão criativa entre unidade e pluralidade e deslocando a identidade da lógica de heresia versus doutrina para a identidade entendida como ortopraxis, aponta-se a sinodalidade como o caminho capaz de realizar, hoje, a reforma sempre necessária, na consciência de que, tanto do ponto de vista teórico como na capacidade efetiva para orientar o modelo de atuação da Igreja, ainda se está só no início.


Joana Meirim

Visitam-se memórias cinéfilas de Adília Lopes e mostra-se como a sua obra faz a defesa daquilo que «os outros acham ridículo em nós». Adília não humilha e não tem medo do ridículo. Nas suas palavras: «A minha poesia é uma epopeia da vida menor. Não é a descoberta do caminho marítimo para a Índia. É o caminho do corredor de minha casa entre a sala onde escrevo e leio e a cozinha.» Afinal, será esta a epopeia maior, a da «poesia de cada dia [que Adília] nos dai hoje».
In memoriam
de Adília Lopes, pseudónimo literário de Maria José da Silva Viana Fidalgo de Oliveira, que nasceu em Lisboa, em 1960, e nos deixou a 30 de dezembro de 2024.


Dimensões
15 x 23,4

Nr de páginas
96

ISSN
0870–7618