Volume 200 — 1, Janeiro 2025

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Manuel Cardoso SJ

“VOL 200–1”, que se lê na lombada deste número, indica que alcançámos 100 anos de publicação – em cada ano, publicamos dois volumes. Em 1925, a Brotéria “Vulgarização Científica” adotava o subtítulo “Fé, ciências e letras”. A atenção às letras assumia importância crescente ao ponto de motivar, logo em 1932, uma mudança de subtítulo para “Revista contemporânea de cultura”. A evocação desta data não pretende assinalar a publicação de uma revista, mas uma determinada forma de habitar o mundo da cultura. Hoje, do ponto de vista temático, a Brotéria procura situar-se em qualquer bom-lugar onde seja possível promover encontros entre a fé cristã e as inquietações e expressões das culturas contemporâneas; metodologicamente, cultiva uma prática multidisciplinar. Entre as iniciativas para festejar este século de trabalho cultural estará o lançamento, em junho próximo, de uma nova série da revista ainda em laboratório.


Maria Jesús Fernández

Em apenas três décadas, o século XXI acumulou acontecimentos suficientes para alimentar medos coletivos e desesperança: dos atentados às Torre Gémeas em 2001, passando pela crise financeira de 2008, pela pandemia da Covid-19 e pelas guerras no Leste da Europa e no Médio Oriente. O futuro aparece sob um nevoeiro espesso que alimenta medos difusos e de origem incerta, provoca uma autêntica obsessão pela segurança e, consequentemente, a suspeição em relação aos outros seres humanos. De todas as formas de arte, a literatura distópica é aquela que encontra no medo e nos sentimentos a ele associados o seu principal impulso e a sua matéria-prima. O seu olhar crítico propõe a reflexão sobre os erros cometidos no presente, mas projetados num tempo futuro, permitindo uma certa catarse da ansiedade coletiva que o inspira. Em Portugal, é no início do século XXI que tem lugar a eclosão do género distópico.


D. Diamantino Antunes

Quando as notícias mais recentes de Moçambique fazem acrescer as preocupações, faz-se uma leitura da realidade sociopolítica moçambicana, seguindo uma linha do tempo e identificando algumas das causas e consequências dos protestos pós-eleitorais, no seguimento das eleições gerais que se realizaram a 9 de outubro de 2024, e os possíveis caminhos para sair desta crise profunda. A reflexão que se apresenta não é de um analista político. É a perspetiva obtida a partir de um conhecimento do terreno em três décadas de vida missionária no país.


Andrea Grillo

A poderosa recolocação tridentina da tradição cristã no séc. XVI haveria de guiar a Igreja Católica durante 400 anos, até entrar em crise entre os séculos XIX e XX. Nascia aí a sua forma “moderna” clerical, centralista e burocrática. Com o Vaticano II, muda-se a linguagem, mas corre-se o risco de continuar a considerar a realidade, a deliberar e a decidir de acordo com o quadro normativo do cânone moderno, confundindo-o com a tradição cristã tout court. Fala-se com o léxico da abertura, mas pensa-se e age-se com a rigidez dessa forma. Quando, hoje, se recoloca com seriedade a “sinodalidade” como novo traço enformador da forma eclesial, a distinção teórica entre “sociedade da honra” e “sociedade da dignidade” é valiosa. Precisamente, a partir do traço cultural da igual dignidade de todos, importará repensar temas e práticas eclesiais como a autoridade, a relação com a cultura, as novas formas de convivência ou a mulher.


João Basto

No seguimento do processo sinodal da Igreja Católica sobre “sinodalidade” que se encerrou formalmente no mês de outubro de 2024 e do seu Documento Final, analisa-se o tema do ponto de vista político e não meramente eclesiológico como, em geral, acontece. Se é verdade que este prisma tende a gerar desconfiança, como se representasse uma forma de corrupção do método teológico, a descoberta de um horizonte político no pensamento teológico constitui a possibilidade de se encontrar uma saída para o exílio espiritualizante da proposta cristã. Na verdade, não se trata de uma abordagem nova. Se até a profissão do monoteísmo trinitário ou a proclamação dos dogmas marianos do início do séc. XX foram declarações políticas, na medida em que propuseram, por exemplo, estilos comunitários e interpretações antropológicas particulares, o mesmo sucede com a prática efetiva da sinodalidade que, na verdade, ainda só está no começo.


Guy Consolmagno SJ

O que é que a ciência tem que faz com que fazer ciência seja uma recompensa atrativa? Trata-se de uma pergunta importante, uma vez que qualquer cientista terá de olhar para dentro de si para perceber as razões pelas quais faz o que faz. Todos os cientistas, de uma maneira ou de outra, vivem os seus pequenos momentos de “Oh meu Deus”, como quando se chegou à rádio e à televisão, à relação entre a cor das estrelas e a sua composição ou ao princípio da Teoria da Relatividade. Há cientistas que dizem não acreditar em Deus – serão menos do que se pensa, mas há certamente muitos que se consideram ateus. Contudo, mesmo que um cientista não acredite em Deus, acredita num “Oh meu Deus”. Tem de acreditar. É a razão pela qual faz ciência.


Paulo Silva Ramos

De quanta conversa frívola somos quotidianamente capazes e quanto não dizemos de nós, enquanto nos escondemos por trás de palavras baratas? Com a sua integridade, a etimologia obriga-nos a revelarmo-nos, a compreendermo-nos, a despojarmo-nos de mil desculpas e a sermos étimos das nossas vidas. O adjetivo grego étymos significa “verdadeiro”, “real”, “genuíno”: dele deriva a palavra etimologia, cunhada para definir a prática de conhecer o mundo através da origem das palavras que usamos. Transporta consigo toda a força do lógos, conceito filosófico que, a partir do verbo légo, significa, por esta ordem exata e inegociável, “pensar para compreender”. Perguntamo-nos frequentemente qual o preço da verdade, esquecendo quão elevado é o custo da mentira.


Mário Avelar

Ao penetrar no subtexto sonoro inerente ao quotidiano e ao contribuir para uma reformulação da perceção do espaço que nos rodeia, a abordagem artística realizada por Bill Fontana ajuda a clarificar desafios atuais relacionados com a necessidade de estabelecer relações adequadas com as complexidades do meio ambiente e do próprio universo, num tempo em que é essencial a descoberta de um equilíbrio no meio de um caos aparente. Através do som, a arte de Fontana, artista americano, nascido em 1947, em Cleveland, pode apresentar-se como um canal que faz a ponte entre os reinos da espiritualidade e o ambiente tangível. A exploração da relação intrincada entre as experiências auditivas e o mundo físico permitem uma interação única com o real. Experiências imersivas que incentivam o envolvimento no ambiente a um nível mais profundo, eventualmente espiritual, promovem uma ligação profunda entre o etéreo e o material.


Dimensões
15 x 23,4

Nr de páginas
92

ISSN
0870–7618