Volume 199 — 4, Outubro 2024

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Andrea Grillo

O acesso das mulheres ao ministério ordenado é um dos assuntos quentes com que, hoje, a Igreja Católica se confronta e é confrontada. Na linha do reconhecimento profético por parte do Papa João XXIII de que a entrada das mulheres no espaço público era um “sinal dos tempos”, poderá a Igreja reconhecer, tanto ao nível doutrinal como disciplinar, que não tem a faculdade para excluir as mulheres do ministério ordenado? Para oferecer um esclarecimento teológico da questão, revisita-se a mudança que o advento da modernidade tardia operou nos argumentos anteriormente aduzidos para considerar o sexo feminino um impedimento para a ordenação com a transição da “sociedade da honra” para a “sociedade da dignidade”. Deduzem-se, depois, perspetivas cujo trabalho de reelaboração teológica é não só possível mas necessário, de modo a dar espaço teórico e prático à configuração da vocação universal de todos os batizados ao ministério eclesial.


António Júlio Trigueiros SJ

A recente publicação da carta do Papa Francisco sobre o papel da literatura na educação é uma verdadeira apologia do prazer de ler. Com o desejo de que essa prática possa contribuir para a formação dos candidatos ao sacerdócio, alargando-lhes a capacidade de comunicação e a imaginação, o Papa faz, no seu estilo fluido e coloquial, um verdadeiro elogio da fruição da literatura como fonte de inspiração. Numa linha contracorrente à tentação que assalta as novas gerações de não desviar o olhar dos écrans, Francisco advoga a importância da leitura lenta, meditada, mastigada, digerida, podendo assumir um forte poder espiritual e pastoral. Pela atenção dada à literatura e à crítica literária, deste que criou o seu segmento cultural, em 1925, a revista Brotéria foi estabelecendo verdadeiras redes de relação entre autores, recensores e leitores, procurando despertar esse desejo de ler, agora expresso por Francisco.


Eduardo Jorge Madureira Lopes

Os canais de informação em contínuo em Portugal não têm concorrido para a existência de uma cidadania mais esclarecida e interventiva. Muito mais informação, transmitida muito mais velozmente, não oferece, por si só, assinaláveis benefícios. Frequentemente, a atualidade fica circunscrita a um reduzido conjunto de acontecimentos. Os assuntos repetem-se excessivamente e as conversas prevalecem sobre um tratamento noticioso aprofundado e diversificado. A sobrecarga informativa é suscetível de provocar uma enorme sensação de fadiga e impotência. Daí que possa ser benéfico prestar atenção crítica ao que nos é oferecido pelos canais informativos.


Patrice Sartre

A noção de força, na sua forma militar, reaparece, hoje, numa Europa que se vê apanhada por conflitos inesperados e por tensões geoestratégicas crescentes. O uso da força é suficiente? O exemplo de conflitos do passado, como no Vietname, no Iraque ou no Afeganistão, pede-nos especial cautela. Quanto vale a força se não for acompanhada de “vontade”? Não se pode pensar uma sem a outra.


Ana Rita Bessa

Partindo de uma experiência pessoal de participação Política, este texto pretende, por um lado, partilhar algumas reflexões decorrentes dessa vivência e, por outro, suscitar questões sobre a forma como, hoje, em sociedade, nos colocamos perante a Política. Parte, portanto, do lugar do “eu”, do percurso e da escolha individual, para o todo da pólis, organizada em função da construção do Bem Comum, concluindo com uma interpelação geral sobre o lugar presente, porventura mais distópico que utópico. Invocando o pensamento de outros, maiores, faz este texto a apologia da temperança, da moderação como instrumento necessário para a construção de pontes ao invés de polos. E convoca todos, desde logo os cristãos, para esta escolha e para esta grandeza.


Pedro Beirão

É difícil lidar com um mundo diferente daquele que nos foi prometido. O colapso climático, sabido e anunciado, posto em segundo plano por contradizer o século de paz, progresso e prosperidade que achávamos estar destinados a ter, não pôde mais ser ignorado quando tudo o resto tardou a chegar. Em resultado, muita da arte confortou-se no medo, dedicando-se a olhar para as décadas doces que tivemos com nostalgia e inundando o espaço público com todo o tipo de remakes e reboots. Ainda assim há artistas e mediadores culturais que contrariam essa tendência e se prestarmos atenção vemos que florescem novas maneiras de fazer arte que nos desafiam e que nos emprestam plataformas para nos relacionarmos com o mundo em redor. Wladimir Kaminer é um desses artistas. Neste texto, analisaremos a sua mais recente obra, Pequeno-Almoço à Beira do Apocalipse, e estabeleceremos pontos de contacto com Amor Fati (filme), La Emperatriz (álbum) e Everything Everywhere All at Once (filme) na procura de aspetos de expressão artística verdadeiramente contemporâneos.


António Ferreira da Silva SJ

Entre o princípio e o fim de vida, há o seu curso, um entretanto que pede responsabilidade e cuidado. Partindo do pressuposto de que o ser humano é essencialmente relacional, espiritual e vulnerável, verifica-se que a finalidade dos cuidados de saúde se encontra, não tanto na cura, mas no acompanhamento de cada processo de envelhecimento, de doença e de morte. Pode-se sempre fazer algo mais pela pessoa doente. Recolhem-se traços de sabedoria espiritual em S. Inácio de Loyola e nos escritos dos primeiros Jesuítas, para sublinhar a necessidade de uma vida boa, que seja capaz de uma justa aproximação à morte. Para isso, desenvolvem-se sete regras que podem orientar no cuidado da saúde.


Luísa Soares de Oliveira

Na Bienal de Veneza deste ano, o tema global, “Estrangeiros por todo o lado”, foi quase unanimemente tratado pela via da referência ao estrangeiro nos locais de exposição habituais das diferentes representações nacionais. Sente-se, por toda a cidade, a preocupação em trazer para a mais importante manifestação artística mundial a voz e a obra de artistas que raramente conseguem apresentar-se fora das suas fronteiras. A exceção está no Pavilhão da Santa Sé que trouxe a arte contemporânea para o seio da própria comunidade dos excluídos – uma prisão feminina em atividade, onde dá a ver obras que transformam o quotidiano e a vida de quem aí vive. O comissariado vem assinado pelo cardeal José Tolentino de Mendonça que escolheu dois grandes nomes do meio artístico para realizar a curadoria da exposição.


Dimensões
15 x 23,4

Nr de páginas
98

ISSN
0870–7618