Volume 198 — 3, março 2024

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Matilde Torres Pereira

A grande retrospectiva de Mark Rothko na Fondation Louis Vuitton oferece um itinerário espiritual da cor que nos evidencia como uma obra, ou a obra, de um grande pintor pode ser a soleira para um caminho interior. Elevar a pintura ao campo da poesia e da música foi o exercício constante e obsessivo de um homem expatriado, que procurou na plasticidade uma virtude que da realidade concreta ofereceu apenas vislumbres. O trabalho dos intangíveis, a luz contida na violência e a exponencial caminhada até à abstração na obra de Rothko culmina numa noite: a noite onde os mitos e a magia tomam conta do bosque, a noite onde sonhamos numa noite de Verão, onde vida e a morte se jogam sob olhares atentos, mas velados. «If people want sacred experiences they will find them here. If they want profane experiences they’ll find them too.»


José Frazão Correia SJ

Afirmar a doutrina, com a preocupação primeira de recordar que não muda, e testemunhar profeticamente a força vital do Evangelho num contexto cultural marcado pela vertigem da mudança tem contornos de dilema para a Igreja. Se não pode dispensar-se de ler criticamente os movimentos e os contornos do tempo presente, a história ensina que sempre que quis garantir a sua identidade combatendo e protegendo-se das mudanças culturais, perdeu e perdeu-se. A missão da Igreja e o seu alcance profético passam pelo ofício de tradução da força do Evangelho em formas existencialmente marcantes e culturalmente significativas. É também assim, como ato plural de atenção ao Evangelho e à complexidade da experiência humana, que a Brotéria compreende a sua missão e que, de diferentes formas, a procura realizar. O desassossego e a incompletude são assumidos como traços de um modo de fazer e de pensar.


Lívia Franco

Apesar das inúmeras críticas quanto à ineficácia da ONU e aos seus bloqueios, esta continua a ter um papel crucial nas dinâmicas internacionais. Nela parecem estar depositadas as expectativas da humanidade relativas à paz e à estabilidade internacionais. E, contudo, tais esperanças parecem constantemente goradas. Por isso, tendo em vista o recente e inegável aumento da instabilidade internacional, importa perguntar se a ONU tem mesmo um papel relevante na defesa da ordem internacional e por que deve ser reformada. Paradoxalmente, em circunstâncias difíceis e por entre rivalidade crescente, o contexto mais volátil em que vivemos poderá incentivar os Membros Permanentes do Conselho de Segurança a baixarem as suas cautelas e a avançarem com as reformas. Sendo urgentes, espera-se que seja possível concretizá-las.


Rita Sacramento Monteiro, Carlos Figueira

Nas últimas décadas, surgiram várias iniciativas com o objetivo de propor modelos económicos e abordagens diferentes do foco tradicional no crescimento económico a que a Economia parece estar votada. Tal movimento chegou também ao meio académico, onde há cada vez mais iniciativas que promovem a crítica e a reflexão sobre a economia atual. Uma delas é a formação lançada pelo Centro Fé e Sociedade da Universidade de Friburgo, pensada em conjunto por economistas e teólogos. Tem por título “Economia Integral” e propõe-se redescobrir o objetivo fundamental da Economia, enquanto ciência económica, e do espírito empresarial e reconhecer o papel significativo da Fé e da Teologia na definição da realidade e dos processos económicos. Quer do ponto de vista da ciência quer da realidade, uma Economia Integral é uma economia que recupera as suas raízes humanas e que, no diálogo com a Fé, a Ética e a Sustentabilidade recupera sentido, valores e ajusta o rumo.


José Souto de Moura

Para falar de liberdade, importa distinguir entre liberdade de ação ou liberdade física e liberdade da vontade que lhe pré-existe enquanto liberdade de decisão. A primeira tem antes de mais uma dimensão vertical, pautada pela relação entre o cidadão e o poder instituído. Mas claro que comporta ainda a dimensão horizontal que respeita ao relacionamento entre cidadãos. Propõe-se uma breve reflexão sobre o mecanismo psicológico que preside à decisão e, portanto, à liberdade da vontade. Tenta-se superar a antinomia entre liberdade e determinismo causal. Prossegue-se, caracterizando o conteúdo daquilo a que chamamos liberdade humana bem como o corolário da responsabilização pelo que se decidiu fazer. Depois, aborda-se a questão de saber em que medida é que temos de aceitar os atos livres dos outros, a atitude perante a diferença, a questão dos limites da tolerância. E a perspetiva tanto pode ser jurídica como moral.


Marie-Jo Thiel

A “crise dos abusos” na Igreja tornou urgente a revisão da ética sexual católica. Herdeira de uma longa história, vê-se hoje enrijecida num sistema normativo que deixa espaço reduzido para o discernimento da consciência e para a consideração de uma grande diversidade das situações. É importante, por isso, regressar a uma leitura rigorosa da Bíblia e não hesitar em recorrer às ciências humanas que chamam à atenção para a complexidade desta dimensão da existência humana.


José Frazão Correia SJ

O tema das bênçãos de pessoas do mesmo sexo voltou com intensidade e paixões ao debate eclesial com a publicação de Fiducia supplicans pelo Dicastério para a Doutrina da Fé, no dia 18 de dezembro de 2023. A resposta que tinha sido dada pelo Responsum, a 22 de fevereiro de 2021, de que a Igreja não dispunha de poder para abençoar tal realidade, se poderia calar a pergunta, não anulava a realidade. Talvez a própria pergunta sobre o poder que a Igreja tem ou não tem para abençoar pudesse ser substituída por outra sobre o poder que o bem real ou possível tem sobre a Igreja e, se quando é reconhecido, mesmo se em lugares inauditos e fora da regra, não deve ser abençoado. O registo binário dentro/fora, ordenado/desordenado, lícito/ilícito parece revelar-se insuficiente para atender com cuidado pastoral a realidades existenciais e relacionais novas. Bendizer não é da ordem do poder ou do juízo mas do reconhecimento.


Andreas Lind SJ

Nomeada palavra do ano em 2016, “pós-verdade” tem sido objeto de muitas e variadas análises. No nosso contexto, Henrique Raposo, num artigo recente publicado no semanário Expresso, defendeu uma tese tão interessante quanto ousada. Está tudo dito no título: “O novo fascismo tem um nome: pós-verdade”. Explorando esta tese, procura-se defender a perspetiva realista, cuja noção de verdade diz respeito a uma correspondência entre o que eu penso e os factos objetivos, cuja realidade é independente de qualquer construção subjetiva. Por um lado, argumenta-se só ser possível falar em “pós-verdade” a partir dessa conceção realista. Por outro lado, defende-se que essa conceção realista abre espaço ao diálogo fraterno entre pessoas de diferentes ideologias ou credos.


Dimensões
15 x 23,4

Nr de páginas
98

ISSN
0870–7618