Volume 196 - 5/6, Maio-Junho 2023

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Madalena Tamen

No contexto das Jornadas Mundiais deste ano, a Brotéria quis publicar um número a propósito da juventude. Em vez da habitual estrutura por matérias, esta edição encontra-se dividida em quatro tempos. A sua intenção foi a de contornar lugares-comuns e binómios, juntando ensaios que oferecessem versões menos estreitas de ideias normalmente associadas à juventude, como a transformação, a disrupção ou o desassossego. Este esforço sugere a possibilidade de a olhar enquanto compósito, coisa heterogénea, cujos elementos são partilhados por muitas pessoas, em diferentes fases da vida. Com isto queremos reconhecer que é possível fazer uma descrição da juventude enquanto construção a partir de, sem que esta seja um sinónimo de falta de imaginação e efervescência. 


Madalena Meneses

Este é um texto sobre crescer com fé, mas não penso que o crescimento se dê de outra forma, por isso sublinho que é sobre crescer. Tentei capturar as luzes de dentro num texto que nunca pensei escrever e que assino de várias formas: com partes da minha vida, com algumas ideias e com referências de várias ordens. Em parte, não o mudaria mas não posso ignorar que peca muitíssimo por omissão: não quis falar, por questões óbvias, da enorme herança jesuíta que experimento. Em jeito de homenagem à Companhia de Jesus e às suas obras, sem excepção, queria agradecer o facto de um dia o P. Roque Cabral me ter despenteado o cabelo enquanto esperávamos para ir para a mesa. Mal sabia eu que me tinha acabado de cair do Céu um terceiro avô, cujos irmãos me continuam a iluminar.


Ana Paganini

Memórias de procissões em Vila Real e Sintra (2019, 2022).


Pedro Franco

Quando se pensa no crescimento de alguém, normalmente pensa-se na construção de uma identidade, ou seja, numa operação conduzida por essa pessoa para formar aquilo que simultaneamente a insere numa comunidade e a distingue dos outros. Mas esta construção não é estritamente individual, antes ocorre num contexto de partilha de linguagem, que simultaneamente herdamos e podemos transformar. Através do espanto e da admiração por aqueles que nos precederam e mostraram algum tipo de excelência, bem como do reconhecimento das origens e dos fins próprios, a pessoa que cresce consegue alcançar algum grau de auto-expressão nessa partilha de linguagem, contribuindo também para a evolução dessa comunidade, como sugere a filosofia de Hegel e de Charles Taylor. A confusão da auto-expressão com a auto-determinação e a ambição desmesurada podem invalidar a admiração e, consequentemente, o crescimento de uma pessoa. Tal é o caso do filme TÁR, que se comenta no presente artigo.


Martim Sousa Tavares

Propõe-se uma reflexão sobre a natureza totalizante da cultura, onde cada qual a tem em quantidades iguais. A dicotomia conservadora entre alta cultura e baixa cultura assenta em pressupostos errados, sendo no entanto perigoso seguir à risca a ideia de socialismo cultural que coloca tudo em patamares iguais. No fundo, o elogio é feito à mundividência e à capacidade de, mais do que substituir, acrescentar e ligar culturas.


Djaimilia Pereira de Almeida

Onde se fala repetidamente de alguns efeitos do aborrecimento nos jovens da classe média-baixa.


Carlos Carvalho SJ

A escola é um espaço vivo: está em processo contínuo de mudança, de inovação, de humanização. Tem por missão educar pessoas conscientes, competentes, compassivas e comprometidas, como árvores que pertencem a uma floresta e fazem parte de um ecossistema. Os educadores, jardineiros de vocação, cuidam das características de cada um, introduzindo as mudanças necessárias ao seu crescimento integral, desde as raízes até à copa. Propomos uma reflexão sobre três dilemas atuais, que fazem do processo de ensino-aprendizagem um equilíbrio de tensões frágeis e dinâmicas: o dilema do aluno protagonista, o dilema da flexibilização e o dilema da transição digital. A mudança exige processo, exige reflexão sobre a experiência e discernimento, exige ter claro que humanidade queremos construir, que pessoas queremos educar, de que princípios não podemos abdicar. Repensar a escola, a vocação dos seus agentes educativos, os seus métodos, espaços e currículo só é possível através de um pacto educativo global.


Juliana Campos, João Pedro Trindade, DOSE

Curadoria da revista DOSE

Para esta edição especial da Brotéria convidámos João Pedro Trindade e Juliana Campos para conceberem, cada um, um invólucro que abraça a revista e um ensaio visual no seu interior. No trabalho de Juliana Campos, as dobras e os limites da folha são ponto de partida para pensar numa imagem maior. Numa lógica geométrica, as imagens são concretizadas recorrendo às coisas do mundo: papéis, cortes e riscos. Uma construção material que é por nós entendida como gestos de ampliação daquilo que nos rege. No caso do trabalho de João Pedro Trindade, podemos observar uma série de imagens que revelam um olhar atento àquilo que é calcado, prensado e amassado. Neste caso, a folha de alumínio – uma superfície espelhada, aqui captada apenas após ter passado por mãos humanas, num ciclo de tornar folha em bola, para ser de novo folha e objeto de análise. As peças de ambos vivem num espaço assente na abstração e materialidade. Dois conceitos que nos parecem ser inescapáveis numa existência que urge a consciência do corpo e que insiste na recuperação do tato como ferramenta principal de conhecimento do mundo e de nós mesmos. Convocamos, assim, os leitores, a relacionarem-se com este desejo de contrariar a simplificação enganadora do ecrã luminoso, e a distância que nos despe de forças para a mudança.


Alda Rodrigues

Tomando como ponto de partida o filme As Asas do Desejo, de Wim Wenders, reflecte-se sobre formas de adquirir e usar as palavras: através de imagens, nas bibliotecas, entre sussurros, com dicionários, cartas, diários, cadernos de citações, e também cuidando das palavras dos outros.


Rui Fernandes SJ

O termo "espiritualidade" é rico e complexo. Em contexto cristão, liga-se a uma longa história de práticas individuais e comunitárias, mas também de conceitos. Atualmente, o termo parece ter-se desvinculado da religião, mas continua a descrever um desejo de harmonia e de uma certa transcendência. Neste artigo tentamos descrever o percurso espiritual na tradição católica, por um lado, e na cultura ocidental contemporânea, por outro. Como mote, somos guiados pela frase do teólogo Karl Rahner: «o cristão do futuro ou é místico, ou não será (cristão)». A que mística/espiritualidade somos chamados, hoje?


João Sarmento SJ

A desobediência é o princípio e o fundamento de todos os desvios humanos. Desde cedo na vida que o reflexo de evasão precisa de pouco para acontecer. Basta, na verdade, qualquer objeto que promova minimamente uma viagem. Sentado na sala de aula, os mapas do país, do mundo, da península, adensavam o meu desejo de não estar ali; de desobedecer àquela rigidez espácio-temporal.

A história dos mapas e a história da desobediência parecem ter uma origem comum. A proibição, ou interdição de seja o que for, demarca, sinaliza, circunscreve. E com isso abre a possibilidade para a transgressão. Como é que poderíamos ser livres sem a oportunidade de devorar pela curiosidade as regiões inóspitas do planeta? Adão aponta a culpa para a sua mulher que, por sua vez, acusa o engano à serpente. Mas a culpa parece ser da inquietude de um coração aborrecido, que nunca pode atingir, sem mais, a serenidade na obediência. 


Dimensões
15 x 23,4

Nr de páginas
128

ISSN
0870–7618