Volume 190-4, Abril 2020

5€Digital8€Papel

DigitalPapel


Francisco Ferreira

O transporte aéreo é um dos elementos
que caracteriza a nossa sociedade global e
de consumo: Lisboa ocupa um dos lugares
cimeiros das cidades europeias com maior
crescimento no turismo de lazer e o Porto
está na mesma linha. Muito se tem questionado
se o aumento do turismo e da carga
internacional transportada é compatível
com as exigências de um mundo global
assente num consumo de combustíveis
fósseis que gera uma pegada ecológica abusiva.
Também a crise do transporte aéreo
motivada pelo novo coronavírus é um elemento
fundamental de reflexão. Basear demasiado
uma economia em setores como o
turismo é um risco muito elevado, dado que
todas as atividades associadas são arrastadas para uma crise em cadeia e de grandes
dimensões. E o Aeroporto do Montijo: teremos
que fazer mudanças estruturais antes
de viabilizar mais um aeroporto?


António Júlio Trigueiros SJ

Como adaptar a nossa vida às limitações do
tempo presente? Como deixar que este tempo
de isolamento social que estamos a viver
possa continuar a ser um tempo fecundo? A
primeira coisa a fazer é aceitar essas limitações
não como uma fatalidade ou como uma
calamidade, mas como uma oportunidade. A
prática do tele-trabalho, da comunicação virtual
e mesmo da produção científica e da expressão
artística tem revelado novos horizontes,
onde parece que o menos se torna mais,
e o limite se abre a uma infinidade de novas
possibilidades. A experiência dos jesuítas
da Brotéria durante a primeira república e
a experiência que a Brotéria tem procurado
realizar neste mês de isolamento, através da
iniciativa Aos vossos lugares revelam-se, ontem
e hoje, surpreendentemente fecundas.


Jorge Buescu

Não é exagero afirmar que o COVID mergulhou
o Mundo na maior crise dos últimos
80 anos. Não sabemos por quanto tempo,
não sabemos o que se segue, não sabemos
como vai o mundo dela emergir. A única
certeza, apesar do abuso a que a expressão
é sujeita, é que nada vai ficar como dantes.
Haverá, depois de passada esta onda
gigante, muitas vidas destruídas, muita dor,
muita confusão. Como nos vamos reinventar?
Como nos vamos reestruturar? Num
mundo globalizado as interdependências
entre países são enormes. Durante quanto
tempo as réplicas da onda de choque se farão
sentir? Estaremos à beira de uma Grande
Depressão global que dure anos ou, pelo
contrário, de uma recessão da qual podemos
esperar recuperar quase totalmente,
digamos, até ao final de 2020?


D. José Tolentino Mendonça

À primeira vista, e partindo da nossa experiência
concreta, diríamos que entre calamidade
e graça não existe relação possível,
porque a calamidade é uma espécie de lugar
distópico, o contrário daquilo que vem
explicitado pela utopia, o inverso do que
está contido na graça: é, em resumo, uma
des-graça. E, por sua vez, a experiência da
graça é o tempo idealizado, é essa espécie
de plenitude, essa excedência de dom que
nos toca. Ora entre a linha da calamidade
e a linha da graça o que vemos à partida
são sobretudo as diferenças. Elas parecem
duas paralelas destinadas a nunca coincidir.
Porém, somos desafiados a encontrar
e a construir interceções entre ambas,
repensando, para lá do previsível, o que
pode ser um diálogo não só necessário,
mas também fecundo.


Teresa Nogueira Pinto

Já de saída, Jean Claude Juncker propôs
aos países africanos uma parceria entre
iguais, assente numa mudança radical da
abordagem de Bruxelas ao continente.
Um compromisso que foi assumido pela
nova Comissão, sob a liderança de Ursula
von der Leyen. É inegável que os destinos
da Europa e da África estão ligados, num
quadro em que os desafios do crescimento
sustentável e inclusivo, das migrações e do
combate às alterações climáticas assumem
um papel fundamental para os dois espaços.
No entanto, a análise da estratégia UE-
-África sugere que é importante considerar
não apenas os seus objetivos e prioridades,
mas também os seus protagonistas e o contexto
global onde agora se movem.


Ana Carrilho

As economias mundial, europeia e nacional
(mais frágil) já sofrem as consequências da
pandemia do COVID-19, com inevitáveis
reflexos na vida dos cidadãos e das empresas.
Obrigados ao confinamento, quantos
trabalhadores passaram ao regime de teletrabalho?
Quantos já perderam o seu
posto de trabalho ou estão “com a espada
sobre a cabeça”? O que implicam as mudanças
nas suas rotinas e das famílias, nos
seus rendimentos, na sua sobrevivência?
A OIT prevê que a pandemia COVID-19
seja responsável por uma perda de postos
de trabalho que se situa entre os 5,3 milhões
– no cenário mais favorável – e os 25
milhões, no pior. Os grupos mais afetados
são os de sempre: jovens e trabalhadores
mais velhos, mulheres e migrantes. Se já
tinham muitos desafios pela frente com as
novas formas de trabalho, em muitos casos,
completamente à margem da legislação
laboral e a que dificilmente conseguem
dar resposta, os sindicatos – também eles
– defrontam-se agora com situações que
exigem mais ação e eficácia na defesa dos
direitos dos trabalhadores.


Paulo Afonso Brardo Duarte

Num contexto em que a Faixa e Rota chinesa
(FRC) é alvo de crescente atenção por
parte da União Europeia (UE), a literatura
não faz, contudo, justiça, àquele que se tem
vindo a converter no foco mais promissor
de análise na UE: Portugal. Este artigo visa
sublinhar a singularidade de Portugal,
apontado como case-study na UE face ao
pragmatismo vis-à-vis a FRC. Para melhor
avaliar os impactos, oportunidades e desafios
da FRC para Portugal, este artigo começa
por enumerar os pontos controversos,
para posteriormente identificar as questões
logísticas decorrentes das vertentes atlântica
e continental de Portugal. Por fim, são
analisados os impactos culturais, sendo que
a conclusão refletirá sobre os dilemas, oportunidades
e desafios que o atual caminho
percorrido comporta. É expetável antecipar
que o pragmatismo deve ser temperado
por prudência no trato com a China, ao
invés de uma subscrição integral da FRC.


Maria Luísa Ribeiro Ferreira

Se Profeta é quem denuncia o que está mal,
ele é também, por inerência, o que situa o
seu olhar no ponto de vista dos mais fracos
e das vítimas, o que ensina a pensar com
lucidez, que desmascara os falsos mitos,
que condena as ideologias desajustadas e
perniciosas; é ele que consola, que prevê,
que pretende construir um mundo melhor.
É também quem reclama, quem censura,
quem acorda os adormecidos. Com a voz
dos profetas combatem-se as desigualdades,
evita-se a acomodação, partilha-se o
sofrimento, criticam-se situações de injustiça,
fomentando-se atitudes de revolta e
de luta, mas também de solidariedade e
de compaixão. Sem dúvida que no nosso
tempo há vozes proféticas que actuaram
e actuam em diferentes domínios – éticos,
políticos, económicos, religiosos. Destacamos
quatro profetas para o nosso tempo:
Etty Hillesum, Dietrich Bonhoeffer, Manuela
Silva e o Papa Francisco.


Miguel Rodrigues

Apesar de, por inúmeras vezes, o cristianismo
ser apelidado como uma das religiões
do livro, esta designação nem sempre faz
jus à relação pessoal que cada cristão é
chamado a fazer crescer com Jesus, Palavra
eterna do Pai. Mais do que uma religião do
livro, o cristianismo convoca cada homem a
uma religação a esta Palavra, que se fez carne
e habitou entre nós. O ambão enquanto
lugar da Palavra é relevante porque materializa
a presença da voz sonante de Deus
que não deixa de clamar ao Seu povo.


Vasco Pinto de Magalhães SJ

O nosso mundo, amado por Deus, é-nos
entregue para o cuidar e cultivar. Aceitemo-
lo de mãos abertas como quem recebe
uma preciosa semente de um Outro jardim
que não podemos imaginar, mas, no
amor, se pode adivinhar. Onde estamos?
Cada um de nós, entre desertificar e ajardinar,
é chamado ao Deserto, é chamado ao
Getsémani, é chamado a entrar na vida e
a entregar-se pela Vida. Entre tantas culturas
desafiantes e nem sempre convergentes,
e até, por vezes, desertificantes, somos
chamados à cultura e ao cuidado do jardim
interior e exterior, no Éden, modo de vida
onde nos transcendemos.


José Souto de Moura

Seis de Abril de 2020 é a data do quinto
centenário da morte de Rafael. E o último
quadro que pintou, a “Transfiguração”,
teria ficado praticamente acabado na
véspera e foi colocado atrás do féretro do
pintor enquanto este permanecia em câmara
ardente. Ao iniciar-se o ano de 1520,
Rafael tinha atingido o pico da fama. O
tempo vivido dera-lhe amor, riqueza e talento.
Roma antiga estava a ser trazida à
luz de acordo com os seus planos, e a sua
arte estava documentada em muitos locais
da cidade. Tinha a sede da Cristandade a
seus pés. E, no entanto, morreria em breve.


Dimensões
15 x 23,4

Nr de páginas
120

ISSN
0870–7618