Volume 190-3, Março 2020

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María Jesús Fernández

Quando o presente se torna insuportável,
a imaginação e o pensamento humanos
traçam dois caminhos: a visão utópica, que
mostra vias bem-sucedidas de felicidade e
harmonia social, e a premonição distópica,
que, ao representar modelos sociais caóticos,
avisa em relação às consequências
perversas, no futuro, de erros cometidos
no presente. Esta última modalidade, que
pretende representar cenários catastróficos
e adversos por meio de uma configuração
temática e formal de conhecido
desenvolvimento na literatura ocidental,
tem sido explorada na literatura portuguesa
dos primeiros decénios do século XXI
em diversos romances. Apresentamos brevemente
algumas destas narrativas, sublinhando
no conjunto a escolha dos espaços
onde se desenvolve a distopia: Portugal ou
um mapa mundial mais abrangente.


António Júlio Trigueiros SJ

A recente abertura dos arquivos do pontificado
do papa Pio XII (1939--1958), vem
lançar luz sobre um dos mais polémicos
e delicados períodos da história da Igreja
do século XX. A disponibilização destas
fontes históricas vem desmistificar as acusações
de silencio do pontífice diante do
holocausto e mostrar que o Vaticano procurou
ajudar judeus, durante a II Guerra
Mundial. Revelam-se particularmente
importantes a série documental onde se
acham as acusações contra Monsenhor
Ottaviani por ter concedido documentos
falsos aos judeus e os ter hospitalizado em
edifícios extraterritoriais, bem como um
telegrama enviado a Washington, no qual
se informa que, na noite entre 15 e 16 de
outubro de 1943, muitos judeus foram presos
em várias partes do mundo, 24 deles
em Roma e que revela que a Santa Sé estava
não só preocupada com esses acontecimentos,
mas empenhada em atender casos
particulares e em tomar providências
para que não ocorressem mais prisões.


João Cardoso Rosas

O espectro partidário português com representação
parlamentar parece ter mudado
nas penúltimas e, sobretudo, nas últimas
eleições legislativas. Temos agora um
espectro mais plural. De um dos lados, além
do PCP e dos seus aliados permanentes, os
Verdes, temos não apenas o BE mas também
uma deputada não-inscrita, eleita pelo
Livre, partido situado entre o BE e o PS, e
ainda o partido Pessoas-Animais-Natureza,
situado entre o PS e o PSD, mas mais próximo
do primeiro. Se o fenómeno do Livre
parece tão efémero como outros no passado,
o mesmo não se aplica ao PAN, que
parece ter chegado para ficar. Do outro lado
do espectro há também novidades. Entre o
PSD e o CDS intrometeu-se o partido Iniciativa
Liberal e, no extremo, após o CDS,
o “Chega!”. Pelo menos em relação a este
último, a avaliar pelos estudos de opinião,
também se poderá dizer que tem potencial
para crescer e solidificar.


Eduardo Jorge Madureira Lopes

As notícias falsas não são uma ocorrência
recente, mas tornam-se particularmente
danosas no ecossistema digital, onde uma
gigantesca quantidade de informação circula
a uma velocidade aceleradíssima. Os benefícios
políticos, os bons negócios à custa
da mentira e o modelo económico das redes
sociais, por exemplo, conferiram ao problema
uma dimensão mais vasta e corrosiva. A
educação para os media e o fact-cheking, ainda
assim, têm potencialidades para atenuar
o impacto pernicioso das fake news.


Lourenço de Sousa Eiró SJ

As tatuagens tornaram-se num elemento
bastante comum na cultura ocidental dos
nossos dias. Todos conhecemos pessoas
que se tatuaram (sejam elas familiares, colegas
de trabalho ou personagens famosos).
O significado de uma pessoa se tatuar
envolve a liberdade de um indivíduo que
toma a decisão de marcar definitivamente
o seu próprio corpo com uma palavra
ou imagem do campo simbólico. Tal ato
pressupõe uma intrusão no próprio corpo,
com a intenção de o transformar de algum
modo. O carácter permanente desta mudança
implica uma escolha ponderada e
refletida do sujeito, já que a tatuagem permanecerá
como uma marca permanente.
Devemos por isso perguntar-nos: haverá
uma idade mínima para o fazer


Hermínio Rico SJ

‘Caminhar junto aos pobres’ denuncia a
inspiração direta intencional nas mais recentes
Preferências Apostólicas Universais
da Companhia de Jesus, promulgadas em
fevereiro de 2019. Na continuidade da Congregação
Geral 36 do final do ano 2016, estas
Preferências, fruto dum discernimento
alargado, da base até ao topo, durante
quase dois anos, e depois confirmadas pelo
Papa Francisco, são uma forma resumida
de focar e guiar a missão da Companhia
de Jesus, o apostolado de todos os jesuítas
e colaboradores, nos próximos dez anos.
As quatro Preferências, na sua formulação
sintética, são: mostrar o caminho para Deus
mediante os Exercícios Espirituais e o discernimento;
caminhar junto aos pobres,
aos descartados do mundo, aos violados
na sua dignidade, numa missão de reconciliação
e justiça; acompanhar os jovens na
criação de um futuro pleno de esperança;
e colaborar no cuidado da Casa Comum.


António Barbosa de Abreu

É necessário olhar o outro na sua natureza
humana, integrado no seu contexto pessoal
(bio-psico-socio-cultural) irrepetível,
bem como, interpretar o sofrimento (o
próprio e o do outro) e, necessariamente,
sensibilizar para a incapacidade de olhar
para quem sofre como um ser igual em
dignidade, independentemente da sua situação
concreta. É essencial que se repense
o enquadramento legal que vigora em Portugal,
em que é possível ter uma vontade
pessoal com validade legal sem capacitação
ou avaliação de competência, com o consequente
dilema ético inerente, e que envolve
na sua maioria os prestadores de cuidados
de saúde, os procuradores de cuidados de
saúde e até o próprio doente, dado que, na
sua maioria, essas disposições estão muito
distantes do momento da ação.


Manuel Sérgio

Já não se escondem, envoltas em mistério,
a matéria, a vida e a mente, porque se encontraram
as suas leis básicas através, respetivamente,
da teoria quântica, do ADN
e dos computadores. Falta-nos uma teoria
de tudo que é bem possível desponte da
sinergia entre a matéria, a vida e a mente,
ou seja, entre a revolução quântica, a revolução
molecular e a revolução informática.
Falta-nos poesia: porque não pode reduzir-
-se a consciência às leis da física, porque
da cultura emergem elementos originais
em relação à vida, porque a matéria não
se cansa de inventar. O cientista não pode
criar o novo, sem poesia.


André das Neves Afonso

Joias, cofres, cruzes, ostensórios, objetos
antropomórficos (braços, pés, cabeças), retábulos
ou capelas inteiras podem configurar-
se como verdadeiros relicários. Enquanto
sinais e elementos de mediação entre a
relíquia e os fiéis, assimilarão a forma através
da qual mais facilmente atingirão o fim
a que se propõem, seja numa natureza mais
resguardada, seja numa dimensão mais ostensiva.
O Relicário do Conde Ourém é um
exemplo paradigmático deste último caso.
Proveniente da igreja-colegiada de Nossa
Senhora da Misericórdia de Ourém, deu
entrada no Museu Nacional de Arte Antiga
em 1914 configura-se como um dos mais
253
belos exemplares da ourivesaria portuguesa
de meados do século XV, encontrando-se
classificado como Tesouro Nacional.


Manuel Ferreira SJ

Bahassane Adamodjy nasceu na Beira, em
1960, e na Beira morreu, em 2011. Embora
se tenha revelado como poeta, com o
livro Mussodjy, foi sobretudo como prosador
que ele se tornou reconhecido no
âmbito da literatura lusófona. A Espanha
deu-nos Cervantes, com Dom Quixote e
Sancho Pança. A Itália deu-nos Guareschi,
com Dom Camilo e Pepone. E Moçambique
deu-nos Bahassane, com o Camarada Luta
Continua e o Nhantumbo Cossa, personagens
de Milandos de um sonho, uma grandiosa
criação em que se movimenta mais
de uma centena de personagens.


Dimensões
15 x 23,4

Nr de páginas
112

ISSN
0870–7618