Volume 191-5, Novembro 2020

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Rui Miguel Fernandes SJ

Teologia e David Bowie são um par improvável. Para alguém familiarizado com o percurso do artista londrino, a teologia não seria, provavelmente, o primeiro assunto a vir à tona na hora de recordar a sua obra. Além do mais, durante boa parte da sua carreira, Bowie manteve um discurso quase sempre antagónico com respeito às religiões. É difícil encontrar espaço na obra de Bowie para uma transcendência vertical. No entanto, há outra forma de transcendência, que nasce da capacidade de se distanciar de si mesmo, que permite uma consciência crítica de si.  Este “tornar-se outro aos seus próprios olhos” abre um espaço interior para a alteridade. Portanto, esse espelho torna-se um lugar de abertura e de encontro à realidade do próprio e dos outros.


António Júlio Trigueiros SJ

Neste mês de novembro a situação pandémica agravou-se. A declaração de estado de calamidade e depois de estado de emergência vêm novamente trazer medidas que, visando controlar o surto, acrescentam novas exigências às nossas vidas, que precisam de ser vividas bem, sem nos deixarmos tomar pelo cansaço, pelo ceticismo ou pela ansiedade. A espiritualidade inaciana, e de modo particular as regras de discernimento dos Exercícios Espirituais, oferece-nos um conjunto de sugestões muito úteis e capazes de ajudar a enfrentar toda esta situação delicada.


Paulo de Almeida Sande

A União Europeia é um dos mais ativos atores internacionais na luta contra as alterações climáticas, talvez mesmo aquele que mais age no sentido de combater as causas das ameaças ao clima, sobretudo após a saída dos EUA do Acordo de Paris. O ambiente é aliás uma antiga preocupação da UE. O salto seguinte na ação europeia em prol do ambiente surgiu já próximo do final da implementação da Estratégia 2020. Trata-se do European Green Deal. O ambiente não é um exclusivo de qualquer ideologia, grupo ou partido político, pois é do interesse geral da Humanidade.


José Frazão Correia SJ

Em forma de chamada de atenção crítica, identificam-se três campos de incidência problemática da atual pandemia nas práticas litúrgico-sacramentais da Igreja Católica: a linguagem não-verbal da higienização e da desconfiança; a dispensa do corpo e a mortificação dos sentidos; o registo individual do dever e da devoção e a participação passiva da assembleia. Sublinha-se como os invitáveis protocolos de higiene e de segurança introduzidos tendem a expor e a reforçar, mesmo se de forma não reflexa nem propositada, entendimentos teológicos e litúrgicos que o Concílio Vaticano II quis intencionalmente superar. Por isso, o artigo começa por explicitar a novidade que a reforma litúrgica do último Concílio introduz na compreensão da ação litúrgica e a forma de participação consciente, ativa e frutuosa de cada fiel e de toda a assembleia que daí resulta. Tendo a participação ativa como critério de compreensão e de avaliação, mais adequada e frutuosamente se poderão atravessar limitações e contradições a que certos protocolos de segurança expõem atualmente as práticas litúrgico-sacramentais e superar faltas e falhas que já vinham de antes, em manifesta contradição com a reforma litúrgica e eclesial querida pelo Vaticano II.


Susana Fonseca

A questão das alterações climáticas não é um tema isolado do modelo de produção e de consumo em que vivemos. O setor têxtil conheceu um enorme crescimento nas últimas décadas, essencialmente assente na transformação do modelo de produção e consumo dos produtos de vestuário, que, em muitos casos, passaram de bens duráveis e de qualidade a bens quase descartáveis. É importante ter presente que os têxteis são fundamentais para o nosso bem-estar e têm aplicações em áreas tão diversas como roupas para a casa, vestuário, calçado, produtos de decoração, indústria automóvel e do mobiliário; e que é um setor que providencia emprego em muitos países, com milhões de pessoas direta e indiretamente beneficiadas. Mas o atual modelo de produção e de consumo intensivos de produtos têxteis, aliado à dimensão do setor, transforma-o num dos setores mais relevantes em termos de impacto ambiental a nível global em muitas geografias.


Francisco Sassetti da Mota SJ

O problema da força, da sua legitimidade e das suas consequências é um debate recorrente ao longo da história da humanidade. Alguns recursos à força são violentos, outros não. Alguns têm valoração moral, outros não. Para que o problema da força seja considerado com seriedade, pode enunciar-se nestes termos: a força faz mal, mas às vezes faz bem. Neste artigo propor-se-á, em primeiro lugar, que o problema da força é um problema complexo; em segundo lugar, argumentar-se-á que é por causa do problema da força ser complexo que o problema do uso de força na guerra é complexo; e finalmente, em terceiro lugar, comentar-se-ão duas situações que ajudarão a esclarecer a importância que o uso de força em situação de guerra pode ter.


Mário Santiago de Carvalho

Durante a preparação da sua tese de doutoramento (1839), Karl Marx citou a Física de Aristóteles (1592) e Sobre a Geração e a Corrupção (1597) da edição dos “Comentários Jesuítas de Coimbra” (Commentarii Collegii Conimbricensis Societatis Iesu in Libros Aristotelis Stagiritae).  Este ensaio aborda as três citações do jovem Marx, justifica por é que os “Comentários dos Jesuítas de Coimbra” puderam proporcionar a um aluno de Jena uma visão dos textos de Aristóteles e explica porque, mais de duzentos anos depois, eles ainda podem ser um instrumento à mão para um pesquisador da Universidade. Afirma-se ainda que a expansão geográfica dos “Comentários Jesuítas de Coimbra” pela Europa, e a sua receção, necessita de uma investigação sistemática e aprofundada.


Paulo Figueira

Na primavera de 1733, uma escuna com 42 passageiros, quase todos sefarditas portugueses que viviam com dificuldades em Londres, zarpou do Tamisa e, depois de uma viagem atribulada, quase naufragou junto de Savannah, então a principal localidade do recém-criado estado norte-americano da Geórgia. Vinham à aventura, ninguém os esperava e, de início, foram mal recebidos, pois as autoridades inglesas não contavam com judeus para colonizar os novos territórios, ainda praticamente virgens. À frente desse grupo vinha um médico: o dr. Samuel Nunes, tio do famoso dr. Ribeiro Sanches (o médico de Catarina da Rússia), que tinha fugido de Lisboa com toda a família apenas sete anos antes. A sua presença foi decisiva para que as autoridades do novo estado acabassem por acolher os 42 pioneiros – que erigiram em Savannah a primeira sinagoga sefardita do Sul dos Estados Unidos, ainda hoje existente.


Luís Carlos S. Branco

A recente redescoberta da obra musical de António Variações levou-a a novos públicos. E, como tantas vezes acontece quando falta contexto à receção de uma obra, alguns dos novos fãs de Variações têm ensaiado apropriações despudoradas dos seus trabalhos – mais baseadas nos interesses deles que nele e no seu trabalho. Impõe-se por isso revisitar o legado de Variações para retificar apropriações abusivas, nomeadamente sobre as suas crenças religiosas. Assim, e apesar dele próprio, se assumir como católico e de o cristianismo estar muito presente nos princípios de respeito e de amor ao próximo que advogava, não podemos esquecer que, como noutros aspetos do seu percurso, ele foi-o à sua maneira, através da inclusão de elementos advindos de outros credos religiosos. Exige-se por isso alguma prudência na interpretação da “devoção” de Variações ao Anjo da Guarda.


André Luís Araújo SJ

No ano em que se celebra o centenário de nascimento da escritora Clarice Lispector (1920-1977), sentimo-nos desafiados a percorrer as malhas do seu denso projeto literário. A trama tênue da sua narrativa em Água Viva instiga o ser da linguagem a manifestar-se, ainda que por fragmentos, pelo abrandamento de linhas descritivas e representativas, em muitos pontos. Configura-se, assim, um processo discursivo, na passagem da enunciação para o enunciado propriamente dito, na conexão de pontos e signos em dispersão.


Dimensões
15 x 23,4 cm

Nr de páginas
118

ISSN
0870-7618