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Volume 197 - 1, Julho 2023

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José Frazão Correia SJ

Continuamos pelo caminho dos bons lugares. Entre utopias e distopias, encontrámos na eutopia um filão com veios fundos. É certo que a paz, o cuidado da terra ou a construção da comunidade são ideais de difícil concretização. A conflitos antigos, somam-se novos. Sofisticadas ameaças de divisão pairam no horizonte, trazendo consigo o apelo sedutor do autoritarismo e o enfraquecimento do ethos democrático. Uma margem de liberdade resta, porém, a cada indivíduo e comunidade. O filósofo J. M. Esquirol pensa-a como “resistência íntima”, não cedência às formas desagregadoras ativas no nosso tempo. Declina-a como opção livre pelo que é próximo, quotidiano, elementar: «apropriarmo-nos (e não no sentido da possessão) da quotidianidade e da simplicidade da vida, de alguma forma, “salva-nos”».


Paul Valadier SJ

Se nos ativermos à definição clássica segundo a qual só há guerra se vários Estados entrarem em conflito armado, com mobilização de tropas e declaração formal de hostilidades, o mundo está em paz. Mesmo a invasão russa da Ucrânia é apenas uma “operação militar especial”, segundo o Kremlin! No entanto, muitos conflitos estão em curso no planeta e alguns parecem não ter fim. Por que razão é tão difícil estabelecer uma situação de paz duradoura entre povos e Estados? Apesar de todas as proclamações contrárias e da existência de instituições internacionais fundadas para buscar a paz e neutralizar as crises, vivemos uma situação inquietante, face às temíveis perspetivas da energia nuclear ou do terrorismo. Ao mesmo tempo, o aumento da polarização dentro do debate político, o uso de técnicas de ciberataque ou a crescente oposição aos valores ocidentais vão fragilizando a democracia. Cabe atender às razões deste clima de hostilidade permanente ou de “guerra híbrida”.


Pedro Valente

Apesar de serem publicados há mais de 20 anos, os rankings das escolas em Portugal nunca deixaram de ser um tema controverso. São como um rio tumultuoso que corre entre margens muito diferentes e com poucas pontes a uni-las: a margem do Ministério, onde se valoriza o fairplay; e a margem da comunicação social e da opinião pública, onde se valoriza quem ganha o campeonato. Na margem do Ministério, “a melhor escola” é aquela em que existe uma convergência entre o ensino ministrado e o instrumento de aferição. Na margem da comunicação social e da opinião pública, “a melhor escola” é simplesmente aquela em que, em absoluto, os alunos obtêm melhores resultados nos exames nacionais. Chegados a este ponto, é fácil concluir que o problema dos rankings poderá não estar nos rankings, mas nas leituras que se fazem a partir deles. E como acontece com outros fenómenos, analisar o modo como nasce o fenómeno pode ajudar a compreender a sua (polémica) existência.


João César das Neves

A sociedade e a economia portuguesas sofrem, neste primeiro quartel do século XXI, vários enviesamentos e bloqueios. Um dos mais evidentes é uma forte injustiça geracional. As camadas mais novas estão em clara desvantagem face aos direitos e privilégios obtidos pelos seus pais e avós. Pela primeira vez na história, o país está hoje dominado pelos velhos. Embora se continue a proclamar o piedoso voto que “o futuro é dos jovens”, a verdade é que todo o sistema está montado contra eles, o que não augura nada de bom quanto ao tal futuro. Se as causas e consequências são fáceis de identificar e de descrever, mais difícil é inverter os efeitos, que estão endemicamente embutidos no regime. 


Joana Vasconcelos

A 1 de maio de 2023, entrou em vigor um vasto conjunto de alterações à nossa legislação laboral. Contidas na Lei n.º 13/2023, de 3 de abril, na sua larga maioria, dão execução à Agenda do Trabalho Digno e de Valorização dos Jovens no Mercado de Trabalho. Trata-se de um “pacote” de medidas legislativas, apresentado pelo Governo em outubro de 2021, retomado em junho de 2022. Feita a análise das medidas, dir-se-á que a presente reforma da legislação laboral atua mais em extensão do que em intensidade e mais à superfície do que em profundidade, sendo irrecusável a distância entre o muito que prometia e o bastante menos que acabou por dar. Em todo o caso, são numerosas e, em larga medida, relevantes as inovações que a reforma introduz e que modificam, decisivamente e em vários planos, a fisionomia e a disciplina da relação laboral. 


Luísa Franco

Para um problema complexo, como o dos incêndios, não existe uma solução apenas, mas, sim, soluções integradas e planeadas a longo-prazo. Duas atitudes devem guiar esta procura de soluções: respeitar e promover a diversidade da paisagem e respeitar e integrar a diversidade de pessoas que a habitam e a gerem. O ordenamento do território é uma via para promover uma paisagem diversificada e, por isso, mais resiliente aos incêndios. Porém, a propriedade em Portugal é maioritariamente privada, pelo que há que encontrar um ponto de ligação entre a paisagem desejada e as lógicas de gestão dos proprietários. A transformação da paisagem exige um demorado processo de escuta e de aproximação de uma realidade que é sempre mais complexa do que o plano idealizado, mas que, sem um e sem outro, nada muda.


Filipe Stilwell d'Avillez

O processo que se iniciou com a nomeação da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica Portuguesa (CI), coordenada por Pedro Strecht, ainda não acabou. Havendo muito para fazer, e muito para saber, já é possível, porém, tirar algumas conclusões e tecer uma análise crítica a vários aspetos, não só do trabalho da CI como do relatório e da forma como os bispos têm lidado com a questão. Não obstante todas as falhas de comunicação, mal-entendidos e dificuldades que surgiram nos últimos meses, a Igreja portuguesa não passou ao lado do problema global dos abusos sexuais. Por outro lado, pode dizer-se com alguma segurança que este problema não será desproporcional na Igreja em relação a outros sectores da sociedade, tendo a Igreja, pelo menos, a vantagem de estar a fazer algo para tentar olhá-lo e dar-lhe uma resposta. 


Andreas Lind SJ

Em A Resistência Íntima, o filósofo catalão Josep Maria Esquirol promove um «materialismo das mãos que tocam». Referindo-se explicitamente a uma intuição de Marx, procura descer à realidade do nosso corpo e de tudo o que nele sentimos. Nesse sentido, procura-se mostrar como esse materialismo da concretude dos sentidos não é incompatível com uma autêntica experiência religiosa. Ao sentir-me agradecido por tudo o que posso acolher no mundo e ao abrir-me aos outros na relação, reconheço-me na minha fragilidade e dependência. Esse modo de vida, agradecido e aberto, dá lugar a uma religiosidade que nunca nos afasta do quotidiano, dos afazeres mais simples e banais que a vida nos vai reservando. 


Guilherme d'Oliveira Martins

O Museu de Arte Cristã de Goa, criado em 1994, celebrou agora 29 anos de existência. Nasceu em Rachol, nas margens do rio Zuari, e aí esteve até 2001, tendo sido transferido para o Convento de Santa Mónica, edificação marcante que assume uma posição particular no contexto da arquitetura religiosa de Goa por ter sido o único convento feminino do território. É um projeto da Arquidiocese de Goa e Damão e a sua constituição deve-se à convergência de vontades entre a Fundação Calouste Gulbenkian e o Indian National Trust for Art and Cultural Heritage de Nova Deli. Apresenta-se a arte indo-portuguesa em todo o seu esplendor, reunindo uma coleção única de Arte Cristã de influência indiana. São cerca de cem obras de arte todas muito significativas, que identificam de modo muito especial uma identidade religiosa própria, abrangendo pinturas, esculturas em madeira e marfim, têxteis, livros, metais preciosos e mobiliário.


Dimensões
15 x 23,4

Nr de páginas
106

ISSN
0870–7618